Abel Braga relembra zaga com Orlando, relação entre Edmundo e Romário e convite de Campello
Quinta-feira, 15/08/2019 - 23:41
Faz mais de meio século que Abel Braga tem o futebol como profissão. Foi no futebol que festejou algumas de suas maiores alegrias – e sofreu algumas de suas maiores tristezas. E no futebol encontrou amparo quando mais precisou: quando foi devastado pelo luto.

Aos 66 anos, o treinador está sem clube desde o final de maio, quando deixou o Flamengo, incomodado pela certeza de que a diretoria procurava outro técnico. "Eu hoje lamento não ter aceitado o convite da direção anterior", diz ele durante uma entrevista de duas horas e meia no Rio de Janeiro – a terceira da série Abre Aspas.

Clique aqui e veja a entrevista completa

(...)

O Vasco te procurou recentemente?

Não. Quando eu não tinha acertado ainda o contrato (com o Flamengo), ele (Alexandre Campello, presidente do Vasco) me chamou quando foi o Alberto (Valentim). Mas eu já tinha dado a palavra ao Flamengo.

(...)

Você pertenceu a uma zaga chamada Barreira do Inferno. Você gostava desse apelido? E saiu muito na porrada no vestiário?

Não. Em vestiário, nunca aconteceu isso. Nunca briguei. Briguei uma vez em Portugal, descendo do ônibus, porque o porteiro colocou a mão no meu peito. A Barreira do Inferno... o Vasco formou um time legal. Ficou um meio-campo incrível, com Zé Mário, Zanata e Dirceu. Um ataque com dois caras muito rápidos pelo lado e o Roberto (Dinamite), que fazia gol de tudo que era jeito. Como me deu bicho esse cara... Mas ninguém chegava. Não batiam em ninguém. Aí a gente falou: temos que criar alguma coisa aqui de terror. E criamos aquela linha imaginária. A gente falava: "A linha tá ali. Da linha pra lá, é barreira do inferno, meu irmão." Foi uma equipe que marcou. Os torcedores vascaínos se lembram com orgulho.

E o gol do Rondinelli?

Cara, eu pago isso até hoje, né? E o Rondi é meu amigo. Rodamos um documentário sobre ele, e fiz questão que fosse lá em casa. Foi legal rever aqueles colegas. O Rondi é diferente. Aquele gol... Vai explicar aquele gol. Porra, é o Zico que bate o escanteio. O repórter jogou a bola, e ele já jogou pra área. Não tava nem posicionado. A bola veio, o Rondinelli começou, o Roberto acompanhou, e ele entrou que nem um louco. A bola caiu atrás de mim. Saltei, não alcancei. Antes de o Orlando falecer, falamos muitas vezes: "Seria muito mais fácil você dar dois ou três passos para a frente do que eu dois ou três para trás." Mas ficou esse negócio de gol do Rondinelli em cima do Abel. Quando eu encontrava o Leão, eu falava: "Porra, Leão, tu não sai nunca do gol também, pô."

Você teve Romário e Edmundo brigados no mesmo time (no Vasco). Como foi lidar com eles?

São dois tops, dois caras que me trouxeram uma alegria incrível, que foi ganhar a Taça Guanabara invicto e derrotar o Flamengo na final por 5 a 1. Quando cheguei, chamei um deles na minha sala, não lembro qual. Falei: "Ó, cara, seguinte: tô chegando, passei a maior parte da minha carreira como atleta aqui dentro e só quero uma coisa. Você não enche meu saco e eu não encho teu saco." Aí esse primeiro saiu da sala, e veio o falecido Alcir Portela (ex-jogador; na época, auxiliar técnico) e falou assim: "Você falou com esse e não vai chamar o outro? Você enlouqueceu. Chama agora, porque vai dar merda, vai dar confusão." Aí chamei o outro, usei as mesmas palavras. Depois o negócio agravou um pouco, com príncipe, bobo da corte e não sei mais o quê. Mas eu adorei aquilo. Minha relação com ambos foi muito boa, problema zero. A coisa foi tão boa que um executivo do (Olympique de) Marseille estava vendo os treinos para levar o Edmundo ou o Gilberto e acabou me convidando, cara! O Romário e o Edmundo, quando souberam que eu ia sair, foram para cima do Eurico (Miranda), pressionaram. Imagine você: um vai bater o pênalti, o outro tira a bola, mas, em campo, os caras resolvem. E vou contar uma coisa. Com a crise no auge, o Romário veio me perguntar do Edmundo. Falei que tava fora, com um probleminha na perna, e o Romário disse: "Porra, que merda." Ele sabia que o cara fazia falta. No fundo, no fundo, no que dizia respeito a futebol, um tinha respeito pelo outro.



Fonte: GloboEsporte.com