Em seus 90 anos, São Januário teve atletismo, tênis, vale-tudo, comícios, concertos e escolas de samba; relembre

Sexta-feira, 21/04/2017 - 07:29
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O estádio Vasco da Gama, conhecido como São Januário desde antes da fundação pela referência da rua de acesso, completa 90 anos nesta sexta-feira. A história deste templo do futebol brasileiro se mistura com a cena esportiva, política e até artística nacional e começa bem antes da inauguração dia 21 de abril de 1927.

Em material especial, o GloboEsporte.com publica em duas partes homenagens ao histórico palco vascaíno. Com entrevistas e fotos raras, a reportagem abaixo traça linha do tempo do estádio. Ainda nesta sexta-feira, infográfico detalha arquitetura e alguns marcos de São Januário.

A luta

Campeão carioca de 1923, o Vasco foi excluído da liga de futebol do Rio de Janeiro. Se antes precisava eliminar 12 atletas negros, operários – “de profissão duvidosa”, como diziam os dirigentes da liga -, o que foi prontamente recusado e gerou a "Resposta Histórica", agora o time que antes jogava de aluguel precisaria ter seu campo próprio para jogar com os times da elite. Em 1925, o clube comprou o terreno em São Cristóvão.

A evolução do estádio em fotos



A campanha

As doações e a arrecadação – chamada de “Campanha dos 10 mil (sócios)” – envolveram desde comerciantes portugueses até condutores de bondes, funcionários públicos, garçons e donos de bares. Em pouco mais de 10 meses o estádio estava semipronto (faltava a arquibancada curva e os refletores) e foi inaugurado num amistoso Vasco 3 x 5 Santos. Foi o maior estádio do Brasil até o Pacaembu ser erguido em 1940, na cidade de São Paulo.


Historiador do Centro de Memória conta os esforços dos vascaínos para arrecadar fundos para o estádio



"Em 1926 há verdadeiro manifesto convocando torcedores a se associarem, a famosa campanhas dos 10 mil sócios. O Vasco ainda lançou debêntures no mercado, que o clube dava 9% de juros sobre o título. Vascaínos mais abastados, óbvio, que doaram quantias, mas a base da doação era de donos de botequim, de restaurantes, gente do comércio, trabalhadores comuns que davam suas contribuições individuais e se tornavam sócios também" (Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco)



Anos 20 e 30: o gigante e a maior goleada

Já com a ferradura fechada e luz artificial desde 1928, o estádio do Vasco – com capacidade total de 40 mil pessoas - vira caldeirão para os adversários. A maior goleada da história centenária do clássico Vasco x Flamengo foi em São Januário, em 1931. Um impiedoso 7 a 0 no Rubro-Negro. Meses antes, outra vítima e outro recorde: 6 a 0 no Fluminense, também a maior goleada do duelo. Mas o maior placar de São Januário sairia com o "Expresso da Vitória": 14 a 1 no Canto do Rio, em 1947. Além de outros torneios, o clube ganhou na sua nova casa até a abertura do Maracanã os Cariocas de 1929, 1934, 1936, 1945, 1947 e 1949.



Anos 40: de Vargas, JK a Prestes

Não foi só o “Expresso da Vitória” que encantou São Januário. A escola de samba Portela foi campeã em 1945, num dos três anos de desfiles no estádio. O campo do Vasco recebeu também concertos de Villa Lobos, discursos patrióticos de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubistchek e do “Cavalheiro da Esperança” Luis Carlos Prestes, antigo inimigo político de Vargas. Os dirigentes vascaínos, acusados de apoiarem a ditadura varguista, abriram as portas para o comício de oposição do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que reuniu 100 mil pessoas no estádio de São Januário.



Anos 50: boxe, vale-tudo e concorrência

Logo depois de sediar o Sul-Americano em 1949, quando passou por reformas e melhorias (o Vasco inaugura as primeiras cabines de imprensa acima da arquibancada e também instala alambrados), São Januário perde o posto de maior estádio do Rio com o gigantesco Maracanã, construído para a Copa do Mundo. Nos anos 1950, se os jogos de futebol diminuem a utilização do estádio, o campo abrigou até mesmo desafios de vale-tudo e lutas de boxe. Carlson Gracie x Pasarito (da luta-livre) levou 20 mil pessoas às arquibancadas de São Januário. O ringue ficava no espaço que hoje serve de local de aquecimento do time vascaíno, à frente da arquibancada curva.




Robson Gracie lutou em São Januário e estava presente no desafio do vale-tudo do irmão Carlson no campo vascaíno



"Eu sou Flamengo, a maioria da família é Flamengo. O do Fluminense era mais perto, mas o de São Januário era muito bom... Cabia muita gente" (Robson Gracie, que lutou no estádio)



Anos 60: a fé em meio à seca

Primeiro campeão da era Maracanã - no Carioca de 1950 -, o Vasco joga menos em casa. Coincidência ou não, conhece o maior jejum estadual da história vai da conquista do Carioca de 1958 até 1970. No período, os dirigentes colocam de pé um sonho antigo, o parque aquático - maior do Brasil à época e terceiro maior do mundo -, e também a igreja de Nossa Senhora das Vitórias - que começou a ser construída em 1955 e só ficou pronta em 1961.



Anos 70 de Dinamite, o maior artilheiro

Maior artilheiro da história de todas as edições de Brasileiros é também quem mais fez gols com a camisa do Vasco (644 gols) e em São Januário, onde marcou 180 vezes. O garoto Roberto Dinamite estreia em 1972 e inicia a trajetória de maior ídolo do clube - ele lidera o ranking dos 10 maiores artilheiros que marcaram no estádio vascaíno. Em 1975, o Vasco, com ajuda da patrocinadora Philips, troca a iluminação de São Januário. O sistema de iluminação agora tem 120 refletores espalhados em três postes com 20 refletores cada na arquibancada e 60 pela cobertura do estádio. Em 1978, no maior público oficial da história do estádio (40.209 pagantes), o Vasco perde para o Londrina por 2 a 0.


Dinamite lembra momentos marcantes, o seu gol 500 dentro do estádio e uma derrota inesperada em 1978



10+ goleadores da história de São Januário

1 - Roberto Dinamite (1972 a 1992) - 180 gols em 239 jogos (média 0,753)
2 - Romário (1985 a 2007) - 148 gols em 139 jogos (1,065)
3 - Ademir (1942 a 1956) - 95 gols em 98 jogos (0,969)
4 - Russinho (1927 a 1934) - 78 gols em 83 jogos (0,940)
5 - Edmundo (1992 a 2012) - 62 gols em 95 jogos (0,653)
6 - Maneca (1947 a 1956) - 45 gols em 69 jogos (0.652)
7 - Valdir (1992 a 2004) - 40 gols em 88 jogos (0,454)
8 - Ramon (1996 a 2006) - 40 gols em 91 jogos (0,440)
9 - Lelé (1943 a 1948) - 39 gols em 56 jogos (0,697)
10 - Bismarck (1988 a 1993) - 38 gols em 94 jogos (0,404)

Fonte: Centro de Memória do Vasco da Gama

Anos 80: os primeiros de Romário e a placa de Vivinho

Os primeiros gols da carreira de um baixinho, que chegaria ao milésimo em 2007 neste mesmo palco, começam a encantar os vascaínos. Romário é bicampeão carioca antes de ganhar o mundo. Em 1985, São Januário foi palco de tragédia no show da banda porto-riquenha "Menudos". Mais de 100 mil fãs foram assistir ao show. Duas pessoas morreram pisoteadas no estádio. No fim dos anos 1980, o Vasco retira a pista de atletismo para aumentar o tamanho do campo. Em 1988, o atacante Vivinho aplica três lençóis em Capitão e faz um golaço contra a Portuguesa em São Januário. O jogador, falecido há dois anos, ganhou placa da diretoria do Vasco.


Em 2007, Romário marca o milésimo gol no jogo Vasco 3 x 1 Sport pelo Campeonato Brasileiro




Em 1988, com gol de placa de Vivinho, Vasco vence a Portuguesa





Anos 90: a era Edmundo e a noite libertadora

Recordista de gols num jogo só - fez seis contra o União São João de Araras na brilhante campanha do título Brasileiro de 1997 -, Edmundo pega a linha sucessória de Dinamite e Romário. Com jogadas geniais, gols e muitas confusões, o atacante vira ídolo e símbolo da década vencedora do Vasco que começa em 1992 na conquista caseira do Carioca sem Maracanã - o time de São Januário conquistaria o tri estadual inédito com os canecos de 1993 e 1994. Em 1998, a noite inesquecível, com a vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona de Guaiaquil, em São Januário, no primeiro jogo da final da Libertadores da América, justamente no ano do centenário do clube da Colina.


Edmundo morou em São Januário, estudou na Barreira do Vasco e frequentou festas e bailes nos arredores do estádio



"Do porteiro ao servente de pedreiro, a moça da cozinha, pessoal da limpeza, roupeiros... são pessoas que me viram crescer... A gente treinava ali, convivia... Quando você fazia um gol eram 600 funcionarários fazendo junto, porque todos dependiam do seu sucesso" (Edmundo)




Aos 94 anos, Calçada lembra com carinho de São Januário e elogia o trabalho do atual presidente Eurico Miranda



Anos 2000: as quedas e o encolhimento

No segundo grande teste de público em dois anos, um incidente por pouco não virou nova tragédia. Depois de receber 36.273 pagantes para a final da Libertadores em 1998, São Januário enche para a final do Brasileiro de 2000, com 32.537 pagantes. Uma confusão na arquibancada faz a multidão pressionar o alambrado, que cede para o gramado, ferindo torcedores. Um laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli concluiu à época que havia 5.231 pessoas a mais do que a capacidade total de público do estádio. Em decisão da Justiça de 2011, a juíza Anna Eliza Duarte inocentou o clube pelo acidente e disse que a superlotação de São Januário não ficou comprovada.



Para ter ideia do encolhimento do estádio - processo natural em todo o futebol pela série de limitações que vieram junto ao Estatuto do Torcedor em 2003, aliadas a mudanças na contagem de pessoas por metro quadrado pelos órgãos oficiais, além de algumas pequenas adequações de obras no estádio -, a final da Copa do Brasil de 2011 tem 21.365 pagantes "apenas".

Chuva de felicidade em 2011

O título da Copa do Brasil de 2011 - no primeiro jogo, vitória por 1 a 0 em casa contra o Coritiba - é a melhor lembrança recente do torcedor no seu estádio depois da maior decepção, com a queda em 2008 - o primeiro e único consumado dentro da Colina Histórica de São Januário. A comemoração reuniu milhares de vascaínos, debaixo de um temporal, dentro do campo e nos degraus de cimento, que completam 90 anos neste dia 21 de abril.

Nos últimos anos, o Vasco voltou a investir na estrutura do complexo de São Januário. Antes do aniversário do clube, dia 21 de agosto, o parque aquático deve ser reinaugurado. O campo anexo e a estrutura de recuperação de atletas são as maiores intervenções dos últimos anos.



Estatísticas gerais do Vasco em São Januário

Número de jogos: 1475
Vitórias: 965
Empates: 309
Derrotas: 201
Gols marcados: 3419
Gols sofridos: 1372

Fonte: Centro de Memória do Vasco da Gama

Bibliografia completa:

Fontes de pesquisa: livro "Memório Social dos Esportes - São Januário, arquitetura e história" (Clara Monteiro de Barros Malhano e Hamilton Botelho Malhano); site oficial do Vasco; Centro de Memória do Vasco da Gama; Sites Netvasco, SempreVasco, Casaca!; arquivo e depoimento historiadores Walmer Peres, Mauro Praiss; arquivo pessoal Antonio Soares Calçada; arquivo pessoal família Valente e Gracie; Revistas e jornais: periódicos do Vasco da Gama, "Polyanthea Vascaína", "Cruzeiro", "Sport Ilustrado", "O Malho", "O Imparcial", "O Globo", "Jornal do Brasil"; arquivos Fundação Getúlio Vargas e Partido Comunista do Brasil.

Fonte: GloboEsporte.com