Atletismo: Conheça a história de Aida dos Santos, ex-atleta do Vasco e lenda do esporte brasileiro

Sexta-feira, 29/01/2016 - 14:18
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Uma mulher negra, pobre e favelada foi, durante 32 anos, a brasileira com melhor desempenho na história dos Jogos Olímpicos. O feito, o quarto lugar no salto em altura, foi realizado nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964. Uma das muitas conquistas de Aida dos Santos, hoje moradora do Fonseca, não pode ser minimizado como uma mera “história de superação”. Afinal, ela nunca se impôs limitações além daquelas que lhe foram infligidas por todo tipo de segregação. Para ela, irrefutável era a necessidade de exercer o dom, descoberto ao acaso depois da chantagem da colega que lhe dava carona até o Morro do Arroz (“Ou treina comigo ou vai a pé para casa”, lembra-se). Um ato de rebeldia que nem mesmo a surra dada pelo pai em seu primeiro torneio curou. “Pobre tem de ganhar a vida e você não ganhou dinheiro algum fazendo isso”, repetia ele a cada “sarrafo”, que nada tinha a ver com a barra de fibra de vidro a ser superada na modalidade esportiva.

Antes mesmo de atingir a marca de 1,74m que por pouco não lhe rendeu o pódio, Aida teve de lidar com obstáculos bem maiores. Faltou-lhe desde o intérprete, fundamental num país em que mesmo o alfabeto lhe era estranho, até o material básico para disputar a prova na qual atingiu o índice olímpico. Foi com sapatilhas próprias para corrida, cedidas por um fornecedor de material esportivo consternado com o seu choro, que Aida entrou para a história do esporte nacional, competindo contundida. E sequer o pé torcido nas eliminatórias a impediu de saltar, levando-a a ser acudida por um médico da delegação cubana a cada tentativa nas finais:

— Todo mundo falava que eu não ia conseguir. O que eles não sabiam é que esse tipo de comentário me engrandece. Tive esta conquista sem técnico e, na volta ao Brasil, tinha até Corpo de Bombeiros me esperando. Mas o apoio de que eu precisei, muito antes disto, não me deram. Por isso dispensei a festança — lembra a veterana atleta.

Para seguir no esporte, mesmo após a fama, Aida teve de fazer faxina na casa dos outros. Um ofício aprendido nos afazeres domésticos, que incluíam descer e subir o morro para pegar água antes de cada treino, para ter a permissão de competir. E foi em meio a essa rotina desgastante que Aida se formou em Educação Física, Pedagogia e Geografia, até começar a lecionar.

Ainda assim, ela afirma não se arrepender de nada. Nem das declarações na imprensa que lhe custaram a participação nos Jogos Olímpicos de 1972. em Munique, na Alemanha:

— Fui dar uma entrevista e me perguntaram as condições em que consegui o quarto lugar em Tóquio, e confirmei todas as dificuldades. No dia seguinte, recebi uma ligação me informando que eu estava riscada do grupo olímpico.

Os pais nunca a acompanharam nos campeonatos. E foi assim que as inúmeras conquistas no pentatlo e salto em altura passaram em branco no núcleo familiar. Isto até ela ter os três filhos, Rogério, Patrícia e Valeska, instituindo a prática esportiva na rotina deles desde que eram pequenos. A última, apelidada pelo técnico Bernardinho de Valeskinha, foi a única a seguir o legado da mãe. Atleta profissional, ela se tornou campeã olímpica no vôlei, esporte que a mãe queria praticar antes de ingressar no atletismo. Aida coleciona em sua casa conquistas também no arremesso de peso, corrida de revezamento, basquete e vôlei, entre as modalidades que atuou e ainda atua. É com orgulho que ela se diz atleta, aos 78 anos, agora na categoria masters.



Fonte: O Globo Online