Comandante do Gepe fala sobre organizadas e violência nos estádios do Rio de Janeiro

Quinta-feira, 15/01/2015 - 14:16
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Comandante, há três anos e meio, do Grupamento Especial de Policiamento de Estádios (Gepe), o tenente-coronel João Fiorentini traça um panorama da violência entre torcidas no país que, em 2014, voltou a ser recordista mundial de mortes por futebol. Mostra a complexidade do problema, totalmente inserido na realidade violenta do Rio. E é duro ao cobrar maior colaboração dos clubes.

Herança de Crimes

“No Brasil se mata por qualquer coisa. Em 2014, foram mais de 53 mil assassinatos. O futebol é reflexo. As torcidas cresceram. Coincide com o surgimento e a proibição dos bailes funk. Jovens de comunidades migraram para a torcida. Todos os problemas de crime do Rio, como roubo, sequestro, tráfico de drogas, vieram para dentro das torcidas. Tenho que separar facções de torcidas nos estádios porque há gente de várias comunidades, cada uma controlada por uma facção criminosa, outro grupo é de favela de milícia ou de UPP. E trouxeram as armas da favela. Outro fator: a ilegalidade dos ganhos da torcida. Uma torcida não pode ganhar R$ 20 mil num jogo vendendo ingresso, material e esse dinheiro ficar na mão de uma pessoa. Vai gerar disputa. Já prendi, num carro, um PM dentro, um membro de milícia e três de torcida organizada. Havia cinco armas. Estas armas eram para matar torcedores.”

Política nacional

“Não pode o Rio fazer de um jeito, São Paulo de outro. Falta política nacional.”

Falta de apoio

“Se me sinto sozinho? Muitas vezes. Prendi mais de 1.300 em três anos e três meses. Se falar que dez foram condenados, não é mentira. Os outros pagam cesta básica ou têm que se apresentar em delegacia, mas não há controle. No jogo seguinte, voltam ao estádio. É culpa do juiz que não condena ou da lei? Algumas leis não funcionam. Se eu conhecer visualmente, posso controlar torcedores punidos indo a estádios. Se não, é cobrar que compareçam à delegacia, o que muitas vezes não acontece.”

Apresentação em delegacia

“Os torcedores que brigaram em Joinville pararam de se apresentar e foi decretada nova prisão. Eu os prendi. Quatro horas depois, sob fiança, foram soltos. Foram dez dias de investigação por quatro horas de prisão. Qual o estímulo que tenho? A pena é afiançável. Há boas iniciativas. O Ministério do Esporte está chamando torcidas para desenvolverem ações sociais, afastar criminosos. Estão recebendo verba federal. É um caminho.”

Envolvimento dos clubes

“O clube não tem dono. Então, o presidente não se preocupa com dinheiro. Em São Paulo, paga-se por policiamento. Se precisa de 100 policiais, paga X. Se precisa de mil, paga 10 X. Aqui o clube diz: vou jogar no meu estádio, em tal horário e é problema da polícia. Aviso que, no Maracanã, preciso de 200 policiais. Em outro estádio, de mil. Ele diz que é problema meu. Se a violência afasta torcida do estádio, o clube deveria se preocupar. Ninguém me pergunta nada, ninguém me consulta.”

Clubes negam dar ingresso

"Ninguém diz que dá. Mas não é verdade. A Força Jovem, após Joinville, foi punida. Nunca deixou de receber apoio do Vasco. Não tenho certeza quanto a nenhum clube. Alguma contribuição há. Facilitam compra, meia entrada. O Flamengo foi à final da Copa do Brasil. O torcedor comum sofria para comprar. Os caras da organizada pagam, mas retiram no clube dois mil ingressos de meia. Em tese, vendem para a própria torcida. Eles sempre têm acesso. O clube não especifica onde cada ingresso foi vendido. Em um jogo com 70 mil ingressos à venda, o clube tira cinco mil, vende através da torcida e contabiliza como vendido em bilheteria. Ele pode fazer isso? Pode, é o dono. Não sou contra a organizada. Sou contra a violência. E preciso que o clube se envolva. Falta ajuda. Em alguns casos, será que não tem dirigente ganhando? O clube não se importa com segurança. Quer mais que esteja bagunçado, assim, pode implantar práticas que não poderia se estivesse tudo organizado."

Mais policiamento

“O Gepe tem 250 homens só para futebol. Mas o que é mais importante para a sociedade brasileira: UPP ou partida de futebol? É dinheiro público. As pessoas pedem mais policiais, mais policiais. Eu ponho mais. Só que o cidadão vai ser mais assaltado, mais morto, mais tudo. Vai ter mais arrastão na praia porque tem Flamengo x Vasco. Uso 800 policiais e deixo a esquina da sua casa desguarnecida, as UPPs. E o clube precisa colaborar. O Flamengo quis mudar a divisão de torcida em um jogo com um time do México de véspera. Precisaria de mais 100 policiais. “Problema da PM". Seriam 100 homens a menos dando segurança ao cidadão para o Flamengo ganhar mais dinheiro.”

Estádio dividido

“O Maracanã permite isso, Engenhão também. Não há por que mudar. Em outros estádios, não consigo. Dizem que é incompetência. Então, é incompetente a polícia mundial. Em que lugar civilizado do mundo se joga com estádio dividido? Não temos tido briga dentro de estádio. Não nego que haja brigas fora. Confrontos graves, houve cinco ou seis em três anos. Gosto do modelo inglês. O clube é responsável, a segurança é paga. Surgiram os stewards porque, com cada policial, o clube paga sete agentes privados. Como custa dinheiro, o clube ajuda a melhorar. Lá, torcedor violento é banido. Aqui, ganha ingresso.”

Polícia paga

“Levei a discussão ao Ministério Público, Secretaria de Segurança... O entendimento no Rio é que este serviço é direito coletivo e não pode ser cobrado. Eu pedi a cobrança. O ser humano e os clubes só sentem se dói no bolso. Não é pagar a mim, é ao Estado. O evento é privado. Enquanto isso, usam a PM como marionete.”

Extinção das torcidas

“Sou contra. Há torcidas que nunca brigaram. Por que puni-las? Foi extinta a Mancha Verde. Surgiu a Mancha Alviverde. Resolveu?”

Fonte: O Globo Online