Fabi, do vôlei, lembra época do Vasco: 'O Eurico Miranda me adorava'

Domingo, 10/03/2013 - 11:43

Líbero da seleção brasileira e do Unilever/RJ, Fabi é uma das atletas mais populares do país. Filha de uma manicure e um taxista, já comeu o lanche das amigas no treino, dormiu no vestiário da Gávea e dividiu sua comida com a roupeira. Aos 33 anos e dona de dois ouros olímpicos, confessa que jamais imaginou chegar onde chegou, mas ainda quer mais

Unilever/Rio de Janeiro e Osasco podem fazer a nona final seguida de Superliga. Ainda tem graça?

Claro que tem. Essas finais vêm sendo protagonizadas pelos dois times há oito anos e é um jogo à parte. Se perguntar, todas as jogadores vão responder que querem jogar esta partida. Mexe com todo mundo e, para mim, é um dos maiores clássicos do mundo.

Você é muito identificada com o Rio de Janeiro, não é?

Tem uma relação de fidelidade, coisas que ligam minha imagem ao time. Nunca joguei fora do estado do Rio de Janeiro, isso é uma coisa bem curiosa. E foi uma coincidência. Sempre tive um sonho de jogar com o Bernardinho, jogar finais da Superliga. Meu desejo sempre foi estar aqui.

Mas você se sente motivada jogando no mesmo time há tanto tempo?

São oito anos, e ainda tenho desafios aqui. Mais um título de Superliga? Mais um título. O Bernardo uma vez disse uma coisa que nunca mais esqueci. Ele tinha acabado de ser campeão mundial em 2010, na Itália, e aí, a gente conversando, alguém perguntou: “você tem três títulos mundiais, qual é o mais importante?” E ele respondeu: “o próximo”. O cara ganhou tudo, Olimpíada, Mundial, mas o título mais importante é o próximo.

Mas você jogaria em outro clube ou no exterior?

As pessoas perguntam se um dia eu iria para outro time, se jogaria no Osasco. Jogaria, sou profissional, mas tem algumas coisas para mim que são impagáveis. Eu moro na minha casa, vou à praia no lugar que eu gosto, encontro meus amigos... Além da identificação com o time, eu tenho identificação com a cidade. Sou extremamente carioca, tipicamente carioca. Para algumas pessoas, isso não é importante. Mas é uma questão de escolha. Então, teria que ser uma coisa irrecusável. Quanto ao exterior... para mim, não é prioridade jogar fora. Até porque eles priorizam atacante, não dão importância para o líbero como aqui. Eu continuo achando que o melhor mercado é o brasileiro.

Você treina com José Roberto na seleção e Bernardinho no clube. Como eles são?

O Bernardo externa mais as suas insatisfações. O Zé aparentemente não. Mas quem convive sabe o quanto ele exterioriza para gente. São pessoas de personalidades diferentes, com metodologias diferentes. Não tem melhor nem pior. A fórmula que dá certo é a de ambos. Eu fico seis meses com cada um. Para mim é um privilégio.

Você ganhou dois ouros olímpicos. Mas foram em situações distintas...

Em Pequim, éramos mega favoritas e não podíamos voltar com nenhuma outra medalha que não fosse ouro porque senão seríamos chamadas de amarelonas. Em Londres, os Estados Unidos eram os favoritos. A gente teve um início muito ruim, conturbado. Acho que nunca dormi tão pouco na vida. Mas aí, saímos de uma situação completamente desfavorável, como o gol do Petkovic de falta aos 43 do segundo tempo, e ganhamos confiança. Na final, vencemos os Estados Unidos de uma maneira impressionante. São duas medalhas de ouro com gosto de ouro, mas sensações completamente diferentes.

Você acha que estará na seleção nas Olimpíadas do Rio?

Eu tô aí. É muito difícil dizer não para uma coisa que você ama, a menos que não tenha condição nenhuma. Eu vejo assim: tenho duas medalhas olímpicas, mas sei que nada credencia para estar na seleção além do desempenho. A experiência e a liderança contribuem, mas são um plus para a convocação. Vai depender do que o Zé quer para a seleção, a maneira que ele vai levar esse ciclo. Mas não considero meus serviços prestados à seleção encerrados, não.

Qual a sua altura? Você acha que, se não tivessem criado a posição de líbero, você chegaria onde chegou?

Tenho 1,68m. Na época que comecei, não imaginava outra coisa que não ser jogadora, mas hoje percebo que se não fosse como líbero, certamente não seria atleta profissional. Tenho que agradecer a quem inventou a posição.

E sua paixão pelo Flamengo?

Eu sou muito participativa, gosto de ir ao estádio, de falar, xingar. É uma paixão que vai entrar vôlei, sair vôlei, e ela vai continuar. Teve um tempo que eu tentava não externar, mas transcende, e já não consigo mais. Tenho casaco, devo ter umas 15 camisas. Os fãs me dão caneca, carteira do Flamengo. Eu fiz amigos por causa do time, é engraçado.

Mas jogou no Vasco...

E perdi para o Flamengo na final da Superliga (2001). O Eurico Miranda me adorava. Ele não sabia que eu era Flamengo, só veio saber depois, mas eu já não estava mais lá. Já meu pai não gostava. Ele não queria que eu lavasse o uniforme em casa, não. Eu até lavava, mas não podia estender. Então, como já morava sozinha, tinha que levar tudo de volta. E ele nem ia aos jogos direito.

Você pensa um dia em ser presidente do Flamengo?

Amo o Flamengo, mas sou consciente de que, para ser alguma coisa lá dentro, teria que estudar e entender o clube. É um desafio bem diferente, mas o futuro não está em nossas mãos.

Com a popularização do vôlei, vocês viraram celebridade. Incomoda?

A exposição excessiva é chata, mas é o preço que se paga. Uma vez me fotografaram em Ipanema tirando a calcinha do bumbum. Vou fazer o quê? Quem nunca tirou a calcinha do bumbum? Não vou deixar de ser eu, de tomar mate sujo na praia, de falar com as pessoas porque alguém está tirando foto.

Quando fez fotos sensuais, Sheilla comentou que ajudava a divulgar o esporte. Você faria algo assim?

Cada um contribui com o que pode. A Sheilla pode com a beleza, a Mari Paraíba, a Luciane (Escouto) também. Eu entro com a minha manchete. Acho que é mais fácil. Ou falando de futebol. Eu sou muito extrovertida, espontânea, mas para outras coisas. Uma vez, para uma revista, o fotógrafo quis fazer uma foto sensual. Eu pedi para todo mundo sair, arranquei o sutiã, e fiz a foto, de costas. Ficou legal pra caramba, mas foram três horas para escolher uma foto.

O que você gosta de fazer quando não está na quadra?

Vou ao cinema, ao teatro. Gosto de correr, queria fazer uma meia-maratona um dia. Também gosto de cozinhar, tenho como quase uma rotina fazer reuniões em casa com os meus amigos. Mas quase não saio à noite porque sempre penso no dia seguinte. Se tiver sol e eu dormir tarde, não vai ter praia. Então, minha vida começa a partir da previsão do tempo.

De onde vem essa sua liderança?

Acho que liderança tem a ver com a personalidade. Desde pequena sempre fiz amigos, falava o que sentia. O problema era me fazer ficar quieta. Não sei dizer não, mas isso tem uma história... uma vez, em 1993, fui ao Maracanãzinho assistir a um jogo da seleção. Era a geração de ouro e fui pedir um autógrafo para o Giovane, que tinha que andar com seguranças. Estava esperando mas, na minha vez, alguém o puxou. Fiquei frustrada e sempre quando vejo alguém me esperando, vou lá. Não quero que ninguém fique como eu fiquei. Até contei para o Giovane depois, ele brincou, pediu desculpa. Hoje entendo.

Você usa uma aliança. É casada? E filhos?

Nunca gostei muito de falar da vida pessoal por uma questão de filosofia de vida. Sou muito tranquila e não gosto de falar das pessoas que estão comigo para não misturar. Mas não sou casada, não. Tenho dois cachorros lindos, o Zeca e o Nucci. Amo criança e ter filho é um sonho. Hoje posso ver meus sobrinhos crescerem e isso suaviza a vontade, mas ter filho é uma responsabilidade grande. É preciso se programar. Quem sabe um dia.

Você é uma pessoa realizada?

Profissionalmente, falta um título mundial (foi vice-campeã duas vezes). Pessoalmente, sou muito feliz. Não preciso de muita coisa para me sentir realizada: só os amigos, minha família, meus cachorros, o Flamengo vencendo... O que acontece é que, nem se me falassem para sonhar alto, eu imaginaria tudo isso. Ganhar dois Jogos Olímpicos, conhecer os lugares, as pessoas que conheci... Sou nostálgica pra caramba, às vezes reviro meus passaportes, fico lembrando... Olha onde a baixinha do Irajá chegou. Acho que foi uma trajetória bacana desde o início, mesmo com as dificuldades. Tenho muita vontade de escrever um livro, relatar as coisas que vivi. Não sei se seria uma biografia. Mas não sei se isso vai acontecer, não. São só ideias que eu tenho.

Fonte: O Globo online