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Um artilheiro no meu coração

Armando Nogueira

Artigo publicado no Jornal O Globo na década de 80

Se o futebol me quisesse dar um presente, bastava que me desse um domingo inteirinho só de gols de Ademir Menezes. O estádio embandeirado, a multidão ali, em peso, todo mundo cantando e pulando pela glória do artilheiro inesquecível do Vasco da Gama.

Nesta tarde de lembranças, quero rever, sobretudo, certos gols que ele fazia contra o meu time e que eu, doido de paixão, jurava que eram feitos pessoalmente contra mim. Quantas vezes amaldiçoei os "rushes" de Ademir! Ele arrancava do meio campo, temível, e, como um raio, entrava pela grande área, fulminante. O desfecho da jogada era sempre o mesmo: uma bola no fundo da rede, um goleiro desvalido e o meu coração magoado.

Era assim que terminavam os meus domingos em tarde de Ademir.

Até então, eu não tinha vivido bastante para perceber que Ademir era um belo artista e que o gol, longe de ser um infortúnio, é apenas uma graça que o futebol oferece para fazer festa no coração dos homens.

Hoje - coisas do tempo - que o futebol na minha vida é mais saudade que esperança, mestre Ademir costuma aparecer no telão das minhas insônias mais artilheiro do que nunca. E com que alegria revejo, agora, aqueles gols arrebatadores que ele fazia com a veemência de um predestinado! Gols que ontem sangravam e que hoje só enternecem o meu coração.

Ademir guardava em campo o rigor de um espartano e a retidão de um cavalheiro. Nunca perdeu a esportiva. Se alguem lhe dava um pontapé, ele dava, de volta, a outra face: jogava como um cristão. O futebol era a sua religião. Ademir era alto, fino de corpo, tinha as pernas alinhadas e do rosto, que parecia feito a mão, sobrava-lhe um pedaço de queixo. Daí vem o apelido de "Queixada", como ternamente o tratam até hoje os seus amigos.

Fecho os meus olhos saudosos para reencontrar Ademir Marques de Menezes, herói dos estádios nos anos românticos do nosso futebol.

É dia de clássico. O estádio está em pé de guerra. Ademir recebe a bola no meio do campo e dispara. Na crista do corpo que corre, em aceleração vertiginosa, a lâmina do queixo vai cortando, certeira, o campo minado, o caminho do gol: é gol! Ele não pára de correr e atravessa a linha de fundo, épico, com os braços abertos ao delírio da multidão.

Se eu soubesse que um dia o futebol dele ia se acabar, eu teria pedido a Deus que me emprestasse um par de olhos cruz-de-malta só para que eu pudesse ver, à luz do amor, todos os gols que Ademir fazia contra mim.