O Brasil na Copa de 1982, segundo João Saldanha

João Saldanha analisou a Copa de 1982 como comentarista da Rádio Tupi (RJ) e colunista do Jornal do Brasil. Assim ele viu a eliminação do Brasil após a derrota para a Itália por 3 a 2, em 5 de julho.


Comentário na Rádio Tupi, 5 de julho de 1982

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Bom. Como é agora, eu não sei, é... campeão moral? Esse troço de campeão moral eu já estou cheio. De qualquer forma, eu espero que o futebol brasileiro tenha dado uma demonstração ao seu público de que é um futebol de primeira qualidade. Faltou comando e faltou modéstia.

A Itália jogou um futebol trancado, jogando bola pro alto e fazendo cera. O tempo inteiro. Tentando passar, pudera. Recebeu dois gols de presente. Assim é muito fácil. Espero que sejam banidos do nosso futebol todos esses inventores que desafiam as leis lógicas, as leis mais simples da geometria. Estamos jogando num retângulo, de ângulos perfeitos. Como é que se entorta o jogo? Se a bandeirinha do corner fosse a baliza, então sim, junta o bolo, naquela direção, torta, enviesada. Mas não. A distribuição dos homens tem que ser em toda a dimensão do gramado. Nosso time pegava a bola e não tinha jogada pro lado direito. Tinha que esperar o Leandro vir lá de trás. Ora bolas. O macaco, macaquinho, deixou de namorar a girafa por causa disso. E' muito penoso ir lá em cima dar um beijo. Vir cá em baixo e pegar a mãozinha dela. Ir de novo. E cá. Não dá. O Leandro podia fazer duas ou três vezes, mas não fazer o ano inteiro.

Quer dizer, tantos crimes, tanta burrice, tanta teimosia, tanta empáfia, tanta falta de modéstia. Apesar da estrondosa habilidade. Apesar de podermos chamar o nosso time o "time-admiração". Apesar disso tudo, nós entregamos a rapadura. A burrice, a teimosia, a falta do menor discernimento do que é o jogo. A competição permanente entre jogadores, criando um ambiente que não é bom. Até hoje não se sabia quem era quem. "Todos jogam; todos são efetivos; todos são reservas". Isso são palavras vãs. Enfim, há o merecimento da justiça, da técnica moderna, que ocupa todos os espaços do campo, aproveita tudo, que a moderna preparação física dá aos jogadores uma vitalidade tamanha, que qualquer espaço tem que ser aproveitado. Nós jogamos sobrando em qualidade, mas dando vantagens táticas fabulosas. Assim não é possível.

Perdemos, paciência. Campeão moral? Pra mim não me serve. Campeões da burrice. É, campeões da burrice tática. Esse título me parece mais apropriado. Era o que eu tinha a dizer.

Joao Saldanha


Crônica no Jornal do Brasil, 6 de julho de 1982

O limite da estupidez Barcelona - Tantos crimes contra o bom senso, contra o senso comum, não poderiam passar impunemente. O fato de possuirmos jogadores extra-série como Zico, Falcão, Sócrates, Júnior e Cerezo davam(sic) a falsa impressão de que éramos superiores em tudo. Mas uma estupidez siderúrgica rondava nosso propósito de ganhar uma Copa, onde quem nos derrotou passou mal com o país dos Camarões. Inventaram uma tática no Brasil abandonando preciosos espaços de campo. Ora, somente um primarismo infantil e teimoso poderia pensar que os adversários não iriam aproveitar o erro clamoroso.

Veio logo o primeiro jogo, o da União Soviética. Sim, foi uma falha de Valdir Peres e isto é uma outra questão. Mas o time soviético, quando se apertava, jogava a bola para seu lateral esquerdo que sempre estava livre. Claro, raios que me partam, pois se não tínhamos ninguém ali. Leandro, sempre mal fisicamente, tentava suprir o extrema que não tínhamos.

No jogo da Itália, com mais quinze minutos sairia levado pelas enfermeiras não para um hospital, mas para um cemitério. Estava morto de cansaço. E o Cabrini folgava sempre. Era jogada de desafogo do time italiano. Qualquer problema e bastava jogar a bola por ali. Fizeram o primeiro e, quando precisavam da cera, bastava segurar o jogo pelo lado onde tínhamos apenas o Leandro.

Sim, Zico, Sócrates, Júnior, Cerezo e este estupendo Falcão sempre estiveram muito bem. Mas até carregadores de piano cansam quando fazem esforços acima de sua capacidade. Nosso time, com a tão decantada preparação especial, estava muito cansado no final do jogo. De um lado, existe algo positivo que é a desmistificação do charlatanismo. Os inventores do futebol que se recusam a ocupar espaços indispensáveis e que não percebem que se joga num retângulo, rigorosamente geométrico, e querem jogar enviesado como se as balizas estivessem nos córneres.

Se chegamos a uma posição tão elevada, devemos à qualidade de quatro ou cinco jogadores excepcionais, mas cuja capacidade física também tem seus limites. A Copa não era difícil de ganhar. Mas a teimosia superou tudo. Culpar Serginho seria um erro. O jogador não tem culpa da teimosia que ficou clara no primeiro jogo, mas infelizmente não foi aproveitada. Não deixo de assinalar que faltou um pouco de modéstia quando empatamos ontem em 2 a 2. Alguém andou rebolando ali e o time italiano, que estava melhor fisicamente do que o nosso, veio para cima e pôde ganhar. Paciência. Mas a estupidez tem um limite de tolerância.

Joao Saldanha



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Atualizado em 19/mai/2006.
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Mauro Prais
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