Ricardo Rocha relembra histórias da conquista do tetra, em 1994, nos Estados Unidos

Segunda-feira, 28/07/2014 - 16:51
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Romário e Raí já haviam movimentado o placar do Stanford Stadium, e, faltando 20 minutos para o fim da partida de estreia diante da Rússia, Ricardo Rocha sentiu a temida dor aguda na virilha esquerda. Saiu de campo certo de que sua Copa do Mundo se resumiria àquela vitória por 2 a 0, com Aldair para sempre no time titular. Na sua vaga.

Com 31 para 32 anos, o zagueiro sabia, aliás, que não disputaria outra Copa. E essa dor incomodou-o bem mais do que a sentida na virilha. Por isso, já na concentração, pediu licença ao companheiro de quarto Márcio Santos para ir ao banheiro. E lá ficou durante horas, chorando escondido, debaixo do chuveiro, num desabafo solitário. Foi seu único choro. Saiu revigorado do banho, no qual lavou os maus pensamentos, a mágoa e a negatividade. Daquele dia em diante, seria um líder e, mesmo sem entrar em campo, usaria a boa energia a favor da seleção brasileira.

— Eu sabia que não dava para me recuperar. Caramba, eu lutei tanto, queria ser o melhor zagueiro, tinha me preparado para isso. Chorei muito e, quando acordei no outro dia, todo mundo esperava uma palavra minha. A partir daquela lesão, decidi ser um Ricardo muito mais forte —lembra.

Ricardo Rocha, um líder natural, tornou-se ainda mais falante, mais engraçado, mais motivador, mais otimista. Pedia a palavra nas preleções e, no discurso, transformava a morte de Ayrton Senna em motivação para os colegas. Foi também animador e cantor. Tornou a música “Lá vai Pitomba", de Luiz Gonzaga, o hino da seleção dentro do ônibus, a caminho do estádio ou campo de treino.

“De pé em pé / A bola no gramado / Vai de lado a lado / E lá vai pitomba / Do meio do campo vai para o ataque / Que não é de araque / E lá vai pitomba / Bota a bola no meio do campo / Bota a bola no meio do campo / Meu time vai fazer mais um gol / Gooool..."

A euforia pela vitória por 1 a 0 sobre os Estados Unidos, nas oitavas de final, não teve unanimidade. Dentro do ônibus, a caminho da concentração, dois jogadores destoavam: Leonardo, expulso devido à cotovelada em Tab Ramos, e Romário, sem aparente motivo para a cara emburrada. Já no quarto, Ricardo Rocha recebeu um telefonema. Era Dunga:

— Ricardo, vem cá. Romário está meio chateado...

Deparou-se com o Baixinho irritado, disposto a afrontar o técnico Carlos Alberto Parreira.

— A gente está muito retrancado. Fala com o homem para botar mais um atacante aí. O time está uma merda... — reclamou Romário.

— Mentira. Você pode enganar os caras. A mim, não. Você está puto porque não fez gol. Quer saber? Vê a jogada do gol do Bebeto... Foi toda sua... Deixa disso!

Ricardo Rocha foi também psicólogo. Domou o gênio de Romário, com puxão de orelha. Quando o Baixinho fez um dos gols da vitória por 3 a 2 sobre a Holanda, nas quartas de final, chamou-o num canto:

— Tá vendo como você é vagabundo? Só porque fez um gol, ficou tudo bem. Por que não me chamou no quarto para conversar?

Entre o consolo, conselho e uma dura, nascia um líder. A cada dia, a responsabilidade de Rocha crescia, a ponto de, na proximidade da decisão contra a Itália, sentir a necessidade de incrementar seu discurso da preleção. Preparou-o com cuidado para encher o time de brio:

— Gente, eu queria falar sobre um grupo de japoneses. Esses japoneses foram para a guerra com um limite de gasolina. Eles tinham que voar mil quilômetros. Era o que cabia no tanque deles. Chegando lá, eles se jogavam. Morreram pela pátria. Esses caras fora heróis. É o que nós vamos ser.

Os jogadores se abraçaram, alguns seguraram o choro. Ricardo deu seu grito final:

— Vamos fazer igual àquele grupo de japoneses, os kawasakis...

Todos responderam:

— Vaaaamoooos!!!

Foi quando Romário interrompeu a gritaria com um chute na canela:

— Pô, tu é burro pra cacete... Não é kawasaki. É kamikaze.

Chinelos voaram na direção de Rocha.

— Às vezes, você fala demais e se ferra. Eu pintei um quadro e, na hora de assinar, derramei a lata de tinta em cima. Borrei tudo. Arrebentei com o quadro — conta, rindo da gafe.

Fonte: Extra Online