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NETVASCO - 04/05 - 15:01 - Confira mais detalhes do jogo histórico de Dinamite há 25 anos

Faz parte da natureza do ser humano. Ele é capaz de lembrar com muito mais riqueza de detalhes de algo que aconteceu em sua infância ou na adolescência do que, por exemplo, de alguma coisa às portas dos 40 anos. Aqueles meses de 1980 estão vivíssimos na minha memória. Abril. O Campeonato Brasileiro era disputado no primeiro semestre. Há 25 anos, eu morava em Niterói, estudava no Instituto Gay Lussac e tinha uma rotina quase impenetrável. Colégio pela manhã, resenha ou pelada com os amigos à tarde e, às 18 horas, me mandava para casa. Lá, meu falecido avô Lourenço me esperava. O rádio já estava ligado. O programa? No Mundo da Bola, com o Apolinho Washington Rodrigues, na Rádio Nacional.

Impaciente, Vô Lourenço ficava irritado com os comerciais. Queria as manchetes. Apolinho chamou os setoristas...Eraldo Leite cobria o Vasco e falava em sua apresentação sobre uma crise que envolvia as novas estrelas do Vasco: Pintinho, Jorge Mendonça e Paulo César Lima. Passou o Botafogo, o Fluminense...Chegou o Flamengo. E Washington Rodrigues anunciou o repórter que fazia a cobertura rubro-negra com o seu bordão.

- E nem o sol cobre melhor o Flamengo do que Zildo Dantas...

Desdenhei. Não esperava nada demais. Era uma terça-feira. E veio a bomba do Zildo.

- Dirigentes do Flamengo estão indo para Barcelona contratar Roberto Dinamite.

Gelei. Meu avô soltou um palavrão e acendeu mais um cigarro, vício que menos de um ano depois o mataria. Não era possível. O nosso maior ídolo estava próximo de vestir a camisa do Flamengo. Jogaria ao lado de Zico. Minha Vó Odete, viva até hoje (95 anos) ouviu os lamentos exasperados e veio se sentar. O apelido dela é Bob. Claro, por causa de Roberto. Inocente, ajudou a sua maneira: começou a torcer o vestido. Até hoje ela costuma dizer que esse ritual traz sorte. Meu pai, Carmona, chegou do trabalho. Ignorou.

- O Flamengo não tem dinheiro para tirar o Roberto de Barcelona. Vão se preocupar com outra coisa - tentou dar uma controlada na pressão do Vô Lourenço e, provavelmente, na minha, pois anos depois me tornei hipertenso.

Mas o Flamengo tinha dinheiro. E mandou realmente um dirigente para Barcelona. Eurico Miranda, em seu primeiro ano com cartola do Vasco, avisou.

- Vamos fazer de tudo para isso não acontecer. Se o Roberto voltar para o Brasil, é para jogar no Vasco - prometeu.

Virou uma novela. Aquela tradição de ouvir o ''No mundo da Bola'', do Apolinho, transformou-se num inferno diário. Roia as unhas. Vô Lourenço fumava um atrás do outro. Quem aparecesse na varanda da casa entre 18 e 19 horas era convidado a ficar em silêncio. Roberto vai para o Flamengo. Roberto volta para o Vasco. Roberto fica no Barcelona. Roberto vai vestir hoje a camisa rubro-negra. Foram pelo menos 15 dias de desespero. Até que o coração do Dinamite explodiu e ele optou por voltar para São Januário. Tímido, ergui os braços e beijei a careca do meu avô. Ele esfregou as duas mãos, seu sinal mais claro de felicidade. Agora era esperar pelo retorno do Bob.

Tinha apenas 15 anos. Marcaram a reestréia num domingo, no Maracanã, contra o Corinthians, de Sócrates. O jogo seria às 18 horas. Às 16h, o Flamengo jogaria contra o Bangu, também pelo Brasileirão. Começou meu segundo drama. Como ir para o Maraca? Meu avô, com 69 anos, não se arriscaria. Meu pai, acomodado, não topou. Procura daqui, procura dali, descobri que um amigo do bairro iria com o pai. Entrei no carro. Pedi a meu pai e meu avô que ouvissem pelo rádio. Quando voltasse, contaria tudo e veríamos juntos o tape da TVE, com narração de José Cunha, comentários de Sérgio Noronha e reportagens de José Luís Furtado.

Às 15 horas, estávamos no Maracanã. Lotado com quase 110 mil torcedores, fora os penetras. Sentei na arquibancada ao lado direito da tribuna de honra do Maracanã, local que acabou se tornando meu point no estádio. Na preliminar, o Flamengo venceu o Bangu por 3 a 0, três gols de Tita. Havia muito vascaíno. Mas também muitos rubro-negros. Vitória garantida, começaram a provocar.
- Corinthians...Corinthians...Corinthians...

Vaias do lado vascaíno. Antes de o time entrar em campo, com Roberto à frente, uma faixa gigantesca surgiu atrás do da direita. " Roberto, muito obrigado por voltar para casa. Nós te amamos" . Aplausos. Os apupos rubro-negros já eram ignorados. Time em campo. Roberto saudou seu povo em todas as direções que pôde.

- Roberto....Roberto...Roberto...

Na hora do cara e coroa, Sócrates abraçou o Dinamite. Mais aplausos. Tudo era uma festa. Dava para ver os repórteres de rádio no campo. Os da Nacional de uniforme azul. Os da Globo, de amarelo. Pai e vô estavam bem informados, pensei. Começou. Aos 11 minutos, Caçapava fez 1 a 0 para o Corinthians. Um balaço que fez Mazaropi se encolher. Silêncio. Menos do lado rubro-negro, que festejava a desgraça alheia. Dois minutos depois, começaria uma catarse.

Aos 13 minutos, Roberto empatou. Aos 27, fez 2 a 1. Aos 37m, 3 a 1. Aos 39, 4 a 1. Eu não tinha mais voz. Chorava e gritava. Nunca abracei tanta gente que não conhecia. Na verdade, freqüento o Maracanã há 31 anos e jamais vi tanta gente chorar de alegria. Aos 42 minutos, ainda no primeiro tempo. Doutor Sócrates descontou para o Corinthians. Olhei para o lado esquerdo. Mais da metade dos rubro-negros rumara para casa. O Maraca era só nosso.

No segundo tempo, Roberto acertou um chutaço de fora da área aos 27 minutos e fez seu quinto gol no gigante Jairo. Foi o placar final: 5 a 2, cinco gols de Roberto. No fim da partida, nós, vascaínos, comemorávamos aquele momento como se fosse um título. Roberto foi até a geral e jogou a camisa para a massa. Depois, deu uma volta olímpica.

- Eu estava encantado. Chutei seis vezes a gol e fiz cinco gols - lembra Roberto, hoje com 52 anos e com os cabelos totalmente alvos.

Volta para casa. Queria contar aquilo para o meu Vô Lourenço e para meu pai, Seu Carmona. Depois de uma hora de engarrafamento, cruzamos a ponte e chegamos em casa. No portão da casa rosa dos meus avôs, todos me aguardavam. Pai, Vó, Vô, mãe, primos, tias...Vô Lourenço me abraçou.

- Torci muito o vestido - disse Vó Odete.

Meu pai, tão tímido quanto o filho, só mexeu nos meus cabelos, enquanto minha mãe, Lucy, olhava com ternura e aliviada para o filho. Eu estava de volta. Ela sempre achava (creio que até hoje) que um dia eu irei e não voltarei do Maracanã. Antes de entrar, olhei de novo para o velho Lourenço. Nas suas mãos, o rádio preto, Phillips. O jogo acabara há duas horas, mas ele ainda segurava, firme, aquele objeto que serviu como elo entre ele o neto naquela tarde de domingo.. Neste quatro de maio, se completam 25 anos daquele dia. Bodas de prata da volta de Roberto e dos seus cinco gols. Saudades de ser criança. Saudades do Vô Lourenço...Saudades do Roberto...Saudades da inocência...

Fonte: Globo Online - Blog Lédio Carmona




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