Joel Santana fala sobre passagens pelo Vasco e lamenta não ter conquistado Libertadores em 2001

Domingo, 27/07/2014 - 21:23
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A foto com o líder sul-africano Nelson Mandela é guardada no celular como um troféu da época em que comandou a seleção da África do Sul. Troféus, aliás, não faltam na vida de Joel Santana. Campeão por onde passou, conquistou títulos também sem dar volta olímpica. Um deles, em 2005, quando ajudou a livrar o Flamengo do rebaixamento. Aos 65 anos, ele aposta em nova salvação rubro-negra, relembra o passado, pensa no futuro e curte o presente: o sucesso como garoto-propaganda.

Você parou?

Parei com quê?

Desistiu de ser técnico?

Estou só esperando passar esse Titanic, porque, no futebol, quando você fica experiente dizem que é ultrapassado. Eu andei pelo mundo, trabalhei no exterior, ganhei tudo no Brasil e desaprendi? Hoje, para ser bom, tem de andar com laptop debaixo do braço e ser todo engomadinho. Tem muita gente aí que nem formada é. Um chef de cozinha com 30 anos de casa, um grande garçom... Podem não servir de uma hora para a outra? É fase. No final, volta para quem sabe.

Você ficou mais seletivo?

Não vou dizer que sou um cara realizado, mas para vir conversar comigo hoje tem que saber vir. A maioria faz qualquer coisa para entrar no mercado e divide salário. Nada contra empresário, mas cada macaco no seu galho. Se eu posso ganhar 50, não vou ganhar cinco.

Esse tempo parado frustra?

Ninguém no Brasil tem o respeito que merece, nem o presidente. Mas nada me frustra mais. Consegui tudo, talvez até mais do que pensei. Ser campeão tantas vezes, ainda mais no meu Estado, trabalhar várias vezes em vários clubes. O que eu posso querer mais? Seria até egoísmo. Só queria ter dado mais para o meu país. Não digo ser técnico da seleção, mas ajudar como olheiro, supervisor. O Parreira me chamou em 94, mas não pude ir. Faz parte.

Você ajudou a salvar o Flamengo da queda em 2005. Acredita em novo milagre?

Na vida não existe milagre, existe competência. Na época eu falei que era preciso a camisa e os jogadores comprarem a ideia. Mas em 2005 foi muito pior, eram só nove jogos. Agora são 27. O Flamengo com duas porradas já sai da zona. Agora é mais fácil, vai conseguir. Eu acho, né? Mas só resolve no campo.

O que mais marcou em 2005?

As decisões tomadas foram todas acertadas. Fomos para Teresópolis, com esse frio aí. Tá imaginando? Não sei nem o que era pior: o time para cair ou o frio de lá. A fase era tão ruim que até o quero-quero me perseguia. Os quartos davam vista para o campo. Eu descia andando e o bicho tentava me pegar. Um dia eu abro a janela e o bicho vem na minha direção. Fechei a janela e ele deu de cara no vidro. Mandei na hora: se deu mal filhinho... (risos).

O que fez a diferença?

O grupo se fechou. Quando vencemos o Paraná lá, com um gol de Obina, eu sabia que não ia cair mais. Parecia título. E tinha que ser do Obina. Em Teresópolis, eu acordava e ia no quarto dele: filhinho, papai chegou, levanta e vamos fazer coisa boa. Eu insistia para ele se cuidar. Ele corria e eu pedalava. O time criou amor pela causa.

Esse rótulo de salvador prejudicou você?

Acho que não. Ficou muito marcado em 2005, mas poucos se lembram do Vasco em 2004. Tirei o título do Atlético Paranaense e dei ao Vanderlei (era técnico do Santos). O meu time era ruim. Meus beques eram do Bonsucesso, o time não ganhava. Em 2010 peguei o Botafogo depois de o time levar de 6 a 0 (do Vasco), mudamos a história e fomos campeões. Quando dá certo é ótimo.

O que você achou da Copa?

Quem veio programado para vencer, conseguiu. Só a Costa Rica foi surpresa. Ninguém achava que seria aquilo tudo. A Argentina se transformou porque queria ganhar aqui. E a Alemanha marcou muito bem, esse é o segredo. Estou dando o mamão com açúcar. Eles não erraram onde todo mundo errou, nas bolas paradas.

E a Espanha?

Aprenderam a jogar contra eles. Eu perdi na prorrogação quando estava na África do Sul. Eles não têm o ponto final, que é o artilheiro. Arrumaram um brasileiro (Diego Costa) que nunca jogou por uma seleção. Você acha que ele ia chegar da noite para o dia e resolver? Fala sério.

O Brasil decepcionou?

Não sei o que aconteceu de um ano para cá. Acho que não tiveram humildade sem a bola. E com a bola fantasiaram demais. A verdade é que o Brasil jogou mal mesmo. Não marcou, não criou, não fez nada. Vi o último amistoso antes da Copa (contra a Sérvia, no Morumbi). O Brasil jogou mal para cacete. Pensei na hora: se jogar assim na Copa, não vão perdoar. E não perdoaram mesmo.

Gostou do Gilmar Rinaldi como coordenador a seleção?

Me deixa fora dessa.

Por quê?

Não tenho nada contra ou a favor do passado dele. Só acho que não era a pessoa indicada. Se eu fosse o chefe da empresa, ia me preocupar com o que fez ou deixou de fazer. Não é o caso. Mas vejo o futebol como a vida. Tem que ter currículo. Não pode entrar da noite para o dia.

Isso serve para o Dunga?

Serve para qualquer um. Para chegar à seleção tem que ter histórico. Não é porque o Cielo é o melhor nadador que vai ser um grande técnico. Quer a cereja do bolo? O Bernardinho nunca foi essa Coca-Cola toda e é o melhor técnico brasileiro de vôlei. Tem que merecer estar lá.

O jogador brasileiro piorou?

A gente não cria mais a árvore, estamos perdendo na semente. O jogador não cria mais os nossos hábitos. Hoje eles driblam cones, entram em campo de costas para sair logo. Nos Estados Unidos, você dá uma bola para o cara do basquete, ele dribla carro, poste, lata de lixo. Hoje o garoto só pensa em videogame. Qualquer um tem empresário, que só vê o lado bom, a Disneylândia. Não é por aí.

Você virou garoto-propaganda. Isso pode prejudicá-lo?

Depende de como se encarar. Nos Estados Unidos, respeitam o teu talento. Aqui querem te travar. Sabe qual é o problema? Se você não dá confiança para muita gente, é mascarado; se trata bem todo mundo, é legal demais. Não tem meio-termo. O mundo está chato. Mas o sucesso não se discute. As pessoas me sacanearam com uma situação (falar mal o inglês) e eu sou uma das melhores propagandas do país. Mais de 70 milhões de acessos. O Messi, o Federer e o Phelps fizeram menos sucesso. Talento é talento (risos).

Mas vão levar você a sério?

Eu não vou mostrar o que sou agora. Esse medo eu devia ter há 30 anos. Não trabalho porque não quero. A última vez que peguei qualquer coisa, fiquei 20 dias no Bahia. No Cruzeiro (2011), peguei em último, fui para décimo, o presidente saiu, quem entrou me tirou e o time quase caiu. Não passo mais por isso. Hoje eles são uma potência. Contrataram mais de 20 jogadores. Aí é mole. Entrega para o papai aqui que eu como esse pudim todo.

Algum título foi mais especial? Faltou algum?

Cada título tem uma história e você não ganha no dia do jogo,é na preparação. A não ser que aconteça algo de outro mundo, como aquele gol do Petkovic (Estadual de 2001). Podia ter ganhado a Libertadores com o Vasco (2001) e com o Flamengo (2008). Mas não posso reclamar. Quando deixei o Flamengo, era para ganhar muito dinheiro, disputar uma Copa. Não fico remoendo porque faz mal à saúde. Estou bem, os exames estão perfeitos, como meu franguinho. Sou feliz.

Você guarda alguma lembrança do encontro com Mandela?

Tenho a foto no meu celular. Era uma pessoa especial, um olhar diferente. Não é mole ficar 30 anos preso e sair em paz com todo mundo. Ele me chamou de senhor coach. O Mandela disse isso. É mole?

Obrigado pela entrevista.

Vai sair quando?

Domingo.

Então vai vender muito. Porque tudo que tem o Joel vende bem, é sucesso... (risos)

Fonte: Extra Online